23.7.06
Cinefilia: Encontro e despedida em Lost in Translation
Em Lost in Translation, de Sofia Coppola, Bill Murray e Scarlett Johansson, duas almas gémeas, encontram-se em circunstâncias estranhas, num país longe de casa. Têm idades diferentes, backgrounds diferentes, mas a mesma alma, o mesmo sentido de vazio existencial, o mesmo tédio urbano-depressivo. Encontraram-se, por acaso, num Hotel em Tokyo. No Bar do Hotel, um local cliché para encontros e desencontros amorosos, trocam as primeiras frases: "Quem me dera poder dormir!", diz ele, ao que ela responde, "sim", "eu também".
Em Lost in Translation, o que impressiona mais é a solidão e o silêncio do Hotel, contrastado com a sobrepopulação e barulho citadinos. O "nós" cá dentro e o "eles" lá fora. Dois mundos que precisam de tradução para comunicarem. Tokyo é uma cidade completamente diferente de todas, barulhenta, multilíngue, incompreensível em todos os sentidos, mas com uma lingugem comum e universal a toda a gente - o sentido de vazio e de amor, de abandono e de rejeição, de tédio e de alegria. Há sempre algo que se perde na tradução. Tudo é estranho, não se percebe nada, mas as duas personagens entenderam-se nisto tudo e encontraram-se.
A cena da despedida entre Bill Murray e Scarlett Johansson é a mais dolorosa que já vi em filme: eles não sabem se hão-de-se beijar ou abraçar e ficam parados a olhar um para o outro, no bar do hotel, a olhar para o lado, a evitar ou tentar adiar a última despedida, o último olhar, a última palavra. Ele a dizer que não quer ir, ela a dizer para ficar. Ele põe a mão na cara, sem tirar os olhos dela, com aquele olhar que parece dizer "e agora, o que vou eu fazer?". Despedem-se com um simples aperto de mão, sem tirar os olhos um do outro e viram costas, tal é a natureza das verdadeiras almas gémeas, que não necessitam de meros gestos de afecto, bastando a linguagem simples e universal da troca de olhar. Aquele último olhar, que nenhuma fotografia poderá reproduzir (ou traduzir), que ficará gravado na retina para sempre, antes da despedida final.
Encontram-se no outro dia de manhã, na entrada do Hotel. Nova tentativa de despedida, mas ainda mais "silly" e tímida. Ela retira-se com um simples adeus e ele a posar para as fotos dos jornalistas, sem tirar os olhos da Scarlett, a dirigir-se para o elevador. E de repente a cara de Bill Murray fica triste, como nunca se viu em filme nenhum. O sorriso desfez-se e os olhos a começar a aguar-se perante os intrépidos flashs dos fotógrafos.
Ele sai e entra no carro em direcção ao aeroporto, sempre a pensar nela e no que devia ter feito ou dito. Se devería ir ou ficar. Uns quilómetros mais tarde, passa por uma rua e sai ao encontro dela no meio da praça. Olham-se. Ele decidido, ela meio estranha. E quando pensamos que se vão beijar, ao estilo hollywood, eles abraçam-se, desatando ela a chorar nos ombros dele, um choro pequenino e sufocado, olhos vermelhuscos, completamente protegida e compreendida na sua dor. Ele baixa-se um bocado e segreda-lhe algumas palavras no ouvido, palavras que não percebemos, que só eles sabem, só eles percebem, só eles sabem o seu significado.
Palavras que nunca se perderão na tradução!
Depois das Virgens Suicidas, Sofia Coppola, surprendeu-me com esta bela obra-prima, Lost in Translation, um dos melhores filmes de 2003, uma obra inteligente e madura, que põe o dedo na ferida sobre o nosso mundo interior que é sufocado pelo mundo exterior das aparências em que a humanidade insiste tanto em cultivar.
Mas que não dá fruto.
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