18.10.11

Ai as saudades que eu tenho do Facebook!

Para o bem ou para o mal, o Facebook (FB) veio subverter tudo. Virtualiza amizades que nunca existiríam na vida real, perpetua relações socias que, por circunstâncias várias (fim da escola, mudança de emprego, de região, etc.) já deviam ter acabado e dá início ou reata relações amorosas que o normal curso de vida já tinha posto fim. Na vida chamada normal, é suposto não sabermos o que fazem os nossos amigos, onde estão, com quem estiveram no Sábado à noite, para onde foram nas férias. É por isso que o reencontro era sempre bom, para sabermos novidades do tipo «mas afinal onde é que foste nas férias do verão?» Agora com o FB toda a gente sabe. É suposto nunca mais sabermos das nossas ex-namoradas, mas lá temos que gramar as depressivas fotos delas com as amigas no facebook, de caipirinha na mão, vestindo sempre a mesma inefável mini-saia tipo-leopardo e uma t-shirt com o dístico habitual "Mamã eu quero!" e discutindo entre si sobre qual delas é a menos cliché da noite.


Ainda sou do tempo em que a distância, o silêncio, a ausência, a expetativa, e um certo tédio também, faziam não só parte da vida mas eram os cimentos de qualquer relação social dita normal. Era suposto estarmos juntos e separarmo-nos durante um tempo, sem sabermos nada uns dos outros para depois, então, reencontrarmo-nos para matar saudades e recomeçar.


Não é suposto sabermos tudo a todo o tempo de toda a gente que se conhece. George Orwell, no famoso livro 1984, já nos tinha alertado para o fato de uma sociedade onde tudo é transparente é uma sociedade totalitária.


O que é que nos move para isto então?


Será a vontade de ser popular? Ser famoso? Ser visto ou ser relembrado? Encontrar ex-namoradas ou amigos da primária? Fazer novos amigos? Andar à «caça»? Causar inveja social, do tipo: «Eu estou aqui! Eu estou aqui! Ó para mim nesta praia em Cancún, a fazer um menáge com golfinhos, enquanto equilibro uma caipirinha nos queixos!» Será concerteza tudo isto e mais do que fazer amigos, os frequentadores do FB querem um auditório atento e um público com um QI suficiente para se deixar impressionar pelas fotos da lua de mel no México.


A meu ver, a resposta mais imediata é esta: O que move o ser humano mais incauto a chafurdar nestas lamas infetas do FB é, pura e simplesmente, o terror ao anonimato.


O FB institucionalizou a noção de que não é suposto haver solidão nas sociedades democráticas ocidentais, de que não é suposto estarmos sozinhos quando estamos em casa e, pior ainda, por mais entediada que esteja a nossa condição, que temos que estar a toda a hora contatáveis e disponíveis para estar a ver os outros e sermos vistos por eles.


Toda a gente tem o terror de desaparecer do radar, de não ver e de não ser visto, de passar despercebido, de não chamar a atenção - mais do que ver o que os «outros» (amigos ou não) andam a fazer, nós queremos principalmente é que nos vejam a nós, que saibam de nós, que ainda fazemos parte deste planeta e que gostamos de ir à praia tirar fotos ao mar. Fazemos tudo e mais alguma coisa para chamar a atenção de todos e para que não se esqueçam de nós. É este terror ao anonimato, este medo de desaparecer e de que se esqueçam de nós que leva a que todos nós façamos um esforço igual para nos lembrarmos dos outros e lembrar-lhes (pondo sempre um «like» em qualquer porcaria que ponham lá) que também nós não nos esquecemos deles. Para quem não tem vida social, resta-lhe a virtual, o voyerismo doce de olhar para os outros e no outro lado do espelho nos vermos a nós próprios.


O FB serve, como todas as redes virtuais, para nos lembrar que não estamos sozinhos quando no fundo estamos. É como estar num café ou ir para o centro comercial só para ver pessoas. Saimos do café, do shopping e vimos para casa com a mesma conclusão com que fechamos a página do FB: que não fizemos um único amigo de verdade. Mas todos nos vêmos uns aos outros e todos sabemos os que uns e outros andaram a fazer nos últimos dias.

O FB é o Big Brother do George Orwell, no livro 1984, finalmente concretizado, mas de maneira diferente: já não é um big brother que tudo vê e tudo sabe mas milhões e milhões deles, amigos e vizinhos uns dos outros, que infetam as redes sociais, policiando-se uns aos outros, vivendo num aflitivo estado totalitário de vigilância permanente. Os pólos inverteram-se. Se o FB fosse criado no tempo de Salazar, já não era a Pide que andava atrás dos comunistas: eram estes que íam lá inscrever-se e depois era só atualizar diáriamente com posts da sua «atividade clandestina»: contar tudo o que sabem, onde estiveram, mostrar fotos dos sítios onde foram nas férias, quantos amigos têm e as suas filiações partidárias, os livros e filmes proibidos que leram, etc. Sería o fim da tortura e das noites a levar cacetadas, bastando à Pide pôr um «lol» ou um «like» em todos os posts. O Facebook está no meio de nós e a olhar para nós. Uma sociedade onde não há segredos, onde tudo se sabe sobre toda a gente, é uma sociedade feita de homens e mulheres-estátuas, robots sociais, parados no tempo e no lugar, a olharem uns para os outros, de preferência em frente a um computador e não ao vivo.


São os (as) Facebookianos(as).


O (A) Facebookiano (a) é um(a) homem/mulher-estátua que ao invés de estar no jardim a levar com cagadelas dos pombos, está em frente a um computador a levar com a merda dos outros. É um pequeno big-brother de trazer por casa, é uma porteira de prédio ligada à web, e que quer viver dentro de nós e impedir-nos de fazer amigos e namoradas de verdade para, lentamente, nos transformar a todos em estátuas amorfas e sem vida. Um Facebookiano só não ganha musgo nos pés e verdete nas virilhas porque de vez em quando tem que levantar a peida da cadeira para ir ao frigorífico comer o resto da lasanha. Já estivemos mais longe disto...


Como tal, e num rasgo de imaginação criativa, façamos já uma estátua em homenagem ao (à) Facebookiano (a) do futuro em todos os jardins do país. Nada de muito exagerado: um ser obeso, sentado numa cadeira, em frente a um PC, com uma expressão facial a demonstrar tédio, a mão direita no rato e a esquerda a coçar as virilhas.



Depois é só deixar que os pombos tratem do resto.