28.9.06

Leituras: O Sul De Miguel Sousa Tavares

Gosto mesmo muito de literatura de viagens. Júlio Verne, claro, é o meu preferido, mas também tenho alguma bibliografia de viagens diversificada, desde diários de Cristóvão Colombo, Daniel Dafoe, etc. Uma viagem, seja ela de que tipo fôr, quando bem contada e superiormente escrita, consegue ser melhor do que a viagem em si e até transcendê-la.
O que é uma linha de combóio, um autocarro ou um barco comparado à descrição literária dos mesmos? O que é a paisagem em si comparada ao que so pode escrever e sentir por causa do que se escreve dela?
A literatura de viagens é um género literário fascinante, capaz de fazer o próprio leitor viajar, sonhar, imaginar, sentir, etc.
Gosto de Sul: Viagens de Miguel Sousa Tavares. Por dois motivos. Não só o livro é fascinante e está bem escrito como também só gosto de viajar para o sul. Sempre para Sul.
Quando era pequenito e o meu pai dizía-nos que íamos passear para o norte, sei lá, para o Minho, Bragança, etc, só me apetecia vomitar. Detesto o Marão. A viagem enjoava-me e dava-me náuseas. Só queria ir para casa. Odeio quando a paisagem é sempre a mesma durante 10 kms. Odeio tudo o que é pinheiros, campos de milho e de girassóis - para mim, só com uma paulada na cabeça dada na portagem em Lisboa, para ir a dormitar sossegadinho até Lagos, é que consigo atravessar o Alentejo de carro) -, em suma: odeio o campo, pronto. Detesto montanhas, detesto piqueniques de todo o tipo, seja à sombrinha, seja num pinhal. Gosto do norte no que refere à gastronomia, por ex. A paisagem é bonita, claro, mas para aí durante 10m. O Gerês é maravilhoso mas para passar um fim de semana. No entanto, defendo que o Norte, o Alentejo e os Açores devem permanecer como estão, intocáveis pelo homem, no seu estado natural, durante o tempo que for possível. O Sul, sim, podemos «abandalhar» à nossa vontade, poluír, semear auto-estradas, prédios e estádios de futebol - enfim: estragar! O norte devería estar como está durante mais 5 séculos. Sería o ideal. O sul deve melhorar, claro. O norte devia ser a nossa amazónia privada, verdinha, impoluta, cheia de bichos selvagens ou em vias de extinção e rios limpos. Só se devia viajar para norte de barco e, para certas zonas, de helicóptero ou cair de pára-quedas. Em Portugal, o Sul devía ser a casa e o Norte o quintal. O Sul a fachada e o Norte as traseiras.
Só gosto do sul, de ir a para sul, de viajar para sul. Só gosto de civilização, cidades, barulho. As casinhas no norte, isoladas e com pastagens a abarrotar de vacas e cabras não tem tanto encanto, para mim, como dormir num hotel e comprar uns bifes do lombo num hipermercado. Gosto de pessoas. Gostar de cidades é gostar de pessoas.
Para mim o norte é rural, agrícola e aldeão; o sul é urbano, industrial, cosmopolita. Nós, Portugueses, nos últimos 500 anos sempre quisémos ir para sul, descobrir, sair, fugir, e morar. Desde D. Afonso Henriques que gostámos de ir para o Algarve em Agosto. Montados nas carroças, nas liteiras e nos burricos lá íamos, todos lampeiros e de marmita às costas, gozar 15 dias de férias a Albufeira.

Por isso adoro Sul Viagens de M.S.T. Gosto da palavra Sul. O norte tem o seu encanto cultural, paisagístico, filósófico e até poético, mas é para sul que vou sempre que posso e que sempre quis ir. Sul sempre foi o nosso objectivo, a nossa meta, o nosso karma. Em Portugal, quando viajo, a minha bússola aponta sempre o «sul magnético».
O norte pode ser um paraíso.
O sul é outra coisa melhor.

"Este é um livro de viagens, um livro de alguém que, como nos sonhos de infância, teve a sorte de partir tantas vezes com pouco mais que um saco de viagem e uma máquina de filmar ou de fotografar. (...) Nem sempre viajei
para sul, mas nada vi de tão extraordinário como o sul. O Sul é uma porta de avião que se abre e um cheiro inebriante a verde que nos suga, o calor, a humidade colada à pele, os risos das pessoas, o ruído, a confusão de um terminal de bagagens, um excesso de tudo que nos engole e arrasta como uma vaga gigantesca. Apetece fechar os olhos, quebrar os gestos e deixar-se ir. Mas é justamente neste caos que eu procuro a lucidez do contador de histórias."
Miguel Sousa Tavares

1 comentário:

Anónimo disse...

Nunca percas o Norte, carago! Beijos da tua prima Bela