31.10.06
Um presentinho para os fãs de Tim Burton: Vincent (1982)
Vincent, de Tim Burton (1982), com Jonathan Price, uma curta metragem animada com cerca de 6 minutos, que se pode ver nos Extras do DVD The Nightmare Before Christmas.
Ver aqui.
Isto é halloween!
The Nightmare Before Christmas, a obra genial de Tim Burton, para ver nesta noite das bruxas. Qual sair, qual quê! Esqueçam os bares da pinga e os arruaceiros dos doces e partidas.
O melhor, para contrariar, é ficar em casa, no sofá, a ver esta obra prima, e depois voltar a ver, e depois só ver as músicas de que se gostou mais, e depois ver as outras também, e depois ver o final pela vigésima vez, e depois ver só o início para ter a certeza que decoramos a letra das canções. E depois, sim, deitar na caminha e sonhar com um mundo diferente do nosso, que só existe na nossa imaginação, nos nossos sonhos cheios de criaturas fantásticas, aventuras extremas, amores sublimes. E depois adormecer, devagarinho, com o coração sossegado.
A lindíssima cena final do filme. Inesquecível.
Para o Pedro Azevedo, Joana e Tiago, Tozé e Rui Pedro.
O melhor, para contrariar, é ficar em casa, no sofá, a ver esta obra prima, e depois voltar a ver, e depois só ver as músicas de que se gostou mais, e depois ver as outras também, e depois ver o final pela vigésima vez, e depois ver só o início para ter a certeza que decoramos a letra das canções. E depois, sim, deitar na caminha e sonhar com um mundo diferente do nosso, que só existe na nossa imaginação, nos nossos sonhos cheios de criaturas fantásticas, aventuras extremas, amores sublimes. E depois adormecer, devagarinho, com o coração sossegado.
A lindíssima cena final do filme. Inesquecível.
Para o Pedro Azevedo, Joana e Tiago, Tozé e Rui Pedro.
Livros perdidos: O Bosco Deleitoso Solitário (séc. XIV-XV, autor desconhecido)
«Mas nom é o ermo ao solitário escola de reitórica pera bem falar, mas escola de vida pera bem viver; nem teemos mentes nem entendemos em a vãa grória da língua, mas em haver folgança frme da mente e da alma. Ca me nom esquece aquelo que disse Séneca filósofo: «Leixa todos os embargos e vaga pera haveres boa mente.» E nom acalça nengüu a boa mente, se for ocupado em negócios. E eu nom contendo nem digo que o ermo dá ao homem boa mente e boa vontade, mas digo e contendo que a vida apartada em o ermo conserva e guarda e ajuda muito a mente e a vontade boa.»
Booco Deleytoso Solitario, por Hermão de Campos, Capítulo XXX: Defesa da vida solitária,(impresso)1515.
Uma das obras mais marcantes da espiritualidade portuguesa medieval, de autor desconhecido, provavelmente um monge, escrito no Mosteiro de Alcobaça entre os finais do Séc. XIV e inícios do Séc. XV e impresso em Lisboa no ano de 1515. Cerca de setenta capítulos transcrevem a tradução da obra de Petrarca De Vita Solitaria. Os últimos quarenta e seis capítulos são originais.
Uma obra que realça a a eremitagem, o retiro, o «ermo» do bosco (bosque) como lugar solitário dedicado à união mística com Deus através duma vida de contemplação em detrimento da vida activa.
500 anos depois, cá estamos nós, os demónios continuam a ser os mesmos, bem como a necessidade de redenção do pecado. Aqui, no Bosque tranquilo e deleitoso, não há luta entre o bem e o mal: trata-se sobretudo de evolução espiritual e comunhão divina, onde há vários degraus a serem percorridos sendo o último patamar o da vida contemplativa, mais longe deste mundo e mais perto de Deus.
Booco Deleytoso Solitario, por Hermão de Campos, Capítulo XXX: Defesa da vida solitária,(impresso)1515.
Uma das obras mais marcantes da espiritualidade portuguesa medieval, de autor desconhecido, provavelmente um monge, escrito no Mosteiro de Alcobaça entre os finais do Séc. XIV e inícios do Séc. XV e impresso em Lisboa no ano de 1515. Cerca de setenta capítulos transcrevem a tradução da obra de Petrarca De Vita Solitaria. Os últimos quarenta e seis capítulos são originais.
Uma obra que realça a a eremitagem, o retiro, o «ermo» do bosco (bosque) como lugar solitário dedicado à união mística com Deus através duma vida de contemplação em detrimento da vida activa.
500 anos depois, cá estamos nós, os demónios continuam a ser os mesmos, bem como a necessidade de redenção do pecado. Aqui, no Bosque tranquilo e deleitoso, não há luta entre o bem e o mal: trata-se sobretudo de evolução espiritual e comunhão divina, onde há vários degraus a serem percorridos sendo o último patamar o da vida contemplativa, mais longe deste mundo e mais perto de Deus.
30.10.06
27.10.06
Leituras: Lobo Antunes
Lobo Antunes é um génio. Literário. Lobo Antunes é grande. É sério e leva a sério tudo o que faz e tudo o que diz. Lobo Antunes não ri muito, é certo, e quando ri é só para fazer ginástica aos cantos da boca. Se calhar Lobo Antunes não tem tempo para rir porque é um génio e os génios dedicam-se a actividades geniais contrárias ao riso tais como escrever, sobretudo escrever de forma genial sobre coisas geniais. Lobo Antunes corta as unhas de forma genial, faz a barba de forma genial e tira a remela dos olhos de forma genial. Todos os seus movimentos são geniais e a forma como ele pega na caneta para escrever - admitamos - também é genial. Aliás, a forma como ele se senta para escrever durante 10 horas a fio também é genial em si mesma, conseguindo até a proeza de não entortar a coluna evitando dores de pescoço.
A forma como fala é genial, porque consegue falar quase sem mover um único músculo da cara, atributo que é geralmente atribuído aos génios literários.
Nas entrevistas é duro e difícil de lidar com ele, porque é duro e difícel de lidar com génios, onde as palavras são arrancadas do fundo do pensamento porque um génio tem de ter pensamentos profundos, objecto de horas e horas de meditação e de leitura, com o intuito heróico de poder dizer palavras profundas e sobretudo citar autores desconhecidos.
Aliás, citar autores desconhecidos também é de génio, dá sempre um ar de erudição que fica sempre bem a todo o génio que se preze. Um génio tem que se portar como tal e dar a entender a toda a hora a razão essencial da sua genialidade.
Um génio, tal como nós, também dá os seus arrotos e solta os seus gazes depois de comer uma chispalhada bem picante, só que dá-lhes imediatemente um sentido literário que não está ao alcance da plebe.
Um «peido» não é só uma simples emissão dum gás mal-cheiroso, logo tem que ser objecto de uma meditação filosófica existencialista, assente numa lógica aristotélica de causa-efeito.
Um génio, por definição, é intocável, assentando vitaliciamente as nádegas no cadeirão de mármore do Olimpo. Não se pode falar mal dum génio, porque senão passa-se logo por burro ou, como se diz agora, iletrado. Não. Toda a gente que lê Lobo Antunes é e deve ser vista como genial, pois a leitura das suas obras emite um bálsamo de genialidade que abençoa e redime todo o fraco de espírito literário. Um génio literário limita-se a fazer aquilo que o faz ser genial: escrever livros. Um génio não vê televisão porque quem vê televisão é o povo analfabeto e os génios não querem ser confundidos com o povo (aliás, para quem publicam e de quem querem ganhar dinheiro).
Todos os dias, sem cessar, sem respirar, evitando ou adiando idas à casa de banho, ou remover um macaco do nariz, um génio deve dedicar-se à sua genialidade, um convívio autista e íntimo consigo mesmo e assumir uma pose genial, sem falhas, sem deixar cair a máscara.
Um povo é genial porque ler António Lobo Antunes é genial e porque Lobo Antunes é um génio.
Só um génio lê livros geniais escritos por génios. Não acham? Vá, lá, deixem esse mau génio....
A forma como fala é genial, porque consegue falar quase sem mover um único músculo da cara, atributo que é geralmente atribuído aos génios literários.
Nas entrevistas é duro e difícil de lidar com ele, porque é duro e difícel de lidar com génios, onde as palavras são arrancadas do fundo do pensamento porque um génio tem de ter pensamentos profundos, objecto de horas e horas de meditação e de leitura, com o intuito heróico de poder dizer palavras profundas e sobretudo citar autores desconhecidos.
Aliás, citar autores desconhecidos também é de génio, dá sempre um ar de erudição que fica sempre bem a todo o génio que se preze. Um génio tem que se portar como tal e dar a entender a toda a hora a razão essencial da sua genialidade.
Um génio, tal como nós, também dá os seus arrotos e solta os seus gazes depois de comer uma chispalhada bem picante, só que dá-lhes imediatemente um sentido literário que não está ao alcance da plebe.
Um «peido» não é só uma simples emissão dum gás mal-cheiroso, logo tem que ser objecto de uma meditação filosófica existencialista, assente numa lógica aristotélica de causa-efeito.
Um génio, por definição, é intocável, assentando vitaliciamente as nádegas no cadeirão de mármore do Olimpo. Não se pode falar mal dum génio, porque senão passa-se logo por burro ou, como se diz agora, iletrado. Não. Toda a gente que lê Lobo Antunes é e deve ser vista como genial, pois a leitura das suas obras emite um bálsamo de genialidade que abençoa e redime todo o fraco de espírito literário. Um génio literário limita-se a fazer aquilo que o faz ser genial: escrever livros. Um génio não vê televisão porque quem vê televisão é o povo analfabeto e os génios não querem ser confundidos com o povo (aliás, para quem publicam e de quem querem ganhar dinheiro).
Todos os dias, sem cessar, sem respirar, evitando ou adiando idas à casa de banho, ou remover um macaco do nariz, um génio deve dedicar-se à sua genialidade, um convívio autista e íntimo consigo mesmo e assumir uma pose genial, sem falhas, sem deixar cair a máscara.
Um povo é genial porque ler António Lobo Antunes é genial e porque Lobo Antunes é um génio.
Só um génio lê livros geniais escritos por génios. Não acham? Vá, lá, deixem esse mau génio....
Waterfall: Mas ca ganda música!
Ouvir Waterfall dos Stone Roses faz-nos regressar aos anos 80, à ascensão da pop britânica, a Madchester, ao mundo dos Happy Mondays, dos The Smiths e, claro, dos Stone Roses de Ian Brown com este Waterfall, um grande som mesmo. Ouvir aqui.
23.10.06
Servos inúteis, sim, nós!
Ao contrário do que toda a gente pensa, a sensação de dever cumprido não é assim tão boa como isso. Ter um «dever», trabalhar, etc, e «cumpri-lo», apenas isso, faz de nós todos, mortais comuns, como está escrito na Bíblia, «servos inúteis». E o que é um servo inútil? Diz lá que um servo inútil é aquele indivíduo que faz somente aquilo que lhe é pedido pelo seu senhor. Ao fazermos somente o que nos é pedido, somos inúteis, porque qualquer um faz isso. Fazer mais, ir mais longe, ir além das expectativas, faría de nós, talvez, «servos úteis». Se o país anda deprimido talvez esta seja uma boa pista para reflectirmos sobre a nossa situação.
A demanda é pesada e custosa, mas podemos começar a perguntar o seguinte: "Qualquer pessoa, bem ou mal, é capaz de fazer o meu trabalho? Porque é que eu não digo o que realmente penso? Porque é que não expresso o que realmente sinto? A quem é que eu quero ser mesmo «útil»? Eu faço o que faço porque preciso ou porque dizem que é o melhor para mim?"
Bem, são boas perguntas e que provavelmente nos vão pôr a cabeça a dar uma volta de 360 graus e voltar ao príncipio em que, se calhar, nada deste texto tem interesse.
Mas o problema é este: à medida que se vai envelhecendo, vai-se compreendendo e aceitando, talvez como regra natural, a inutilidade das pequenas coisas que reduzimos à dimensão da nossa patética existência e o melhor a que se pode aspirar é a ser-se um bom servo inútil neste circo de vaidades.
A demanda é pesada e custosa, mas podemos começar a perguntar o seguinte: "Qualquer pessoa, bem ou mal, é capaz de fazer o meu trabalho? Porque é que eu não digo o que realmente penso? Porque é que não expresso o que realmente sinto? A quem é que eu quero ser mesmo «útil»? Eu faço o que faço porque preciso ou porque dizem que é o melhor para mim?"
Bem, são boas perguntas e que provavelmente nos vão pôr a cabeça a dar uma volta de 360 graus e voltar ao príncipio em que, se calhar, nada deste texto tem interesse.
Mas o problema é este: à medida que se vai envelhecendo, vai-se compreendendo e aceitando, talvez como regra natural, a inutilidade das pequenas coisas que reduzimos à dimensão da nossa patética existência e o melhor a que se pode aspirar é a ser-se um bom servo inútil neste circo de vaidades.
22.10.06
Signos e ascendentes: Os signos que se fodam e os ascendentes, à falta de melhor, também.
É natural uma gaja perguntar-nos o signo. Até aqui tudo bem, os signos são coisas de gajas e perguntar sobre eles ao comum dos mortais também é uma coisa de gaja. Mas assisti a um fenómeno novo (podem preparar os sacos de enjoo) que foi perguntarem, várias vezes (arranjem mais sacos ou encomendem uma palete) qual (preparem-se, blearghhhhhh) era o meu ascendente. O meu ascendente??? Uma gaja perguntar-nos o nosso ascendente não é lá muito normal pois não? É tão estranho como ver o Chewbacca da Guerra das Estrelas num barbeiro. Há qualquer coisa que neste país começa a não "bater" lá muito bem. Sei lá qual é o meu ascendente, nem sei o que é um ascendente. Sei o que é um ascensor e sei o que é ascender, tipo: "E Elias ascendeu aos céus num carro de fogo." Agora ascendente é o meu pai e o meu avô.
Sempre que uma rapariga me pergunta o signo, antes de responder «sou do signo leão», penso sempre: "Oh que caralho, ó Maria Ivone, vai-me à loja e traz-me o troco!" Não satisfeitas com a resposta, visto que ser do signo leão é como sofrer de escorbuto, perguntaram-me qual era então o meu ascendente, numa tentativa de tentar descobrir alguma coisa que se aproveite em mim ou para me salvar das garras medonhas do dito rei da selva.
Educadamente, e depois de vomitar 3 vezes seguidas para sacos de enjoo que já ando a comprar há mais de dez anos para o efeito, lá tentei articular uma resposta satisfatória: "Sei lá, ó caralho, não percebo nada dessa merda..." Essa. Merda. Uau, um palavrão feio que faz de mim um menino feio. Ai que grande tau-tau. A rapariga corou; eu também, ainda mais do que o costume. Ela de vergonha; eu de raiva e frustração devido ao alto grau de cromice e saloice da gaja. Resposta final dela: "Oh, vê-se mesmo que és Leão..." Eu (em vez de responder o que qualquer mortal com dois dedos de testa respondería, e que é: "Quero que essa merda se foda") disse, no estilo humorístico que me caracteriza:"Ai é, como é que sabes, já te mostrei a minha juba?" Ela fingiu que não percebeu. Eu fingi que não teve assim tanta graça. Mas tem mais graça que os signos. Os signos não são nada, nem aparecem no B.I. Os signos tem tanta importância como abrir uma loja de biquinis no pólo norte.
Só digo uma coisa às próximas raparigas com quem vou sair (espero eu) - Vou comprar uma caçadeira, registá-la e colocá-la bem à vista no tablier do meu carro, ao estilo caçador de javalis. Ao mínimo deslize nessa treta dos signos, sai bala pelo vosso «ascendente» acima.... No caso de possuírem um corpo , sei lá, não peço muito, do tipo da Soraia Chaves, quero dizer que estou disposto a negociar tréguas que poderão envolver remoção total de roupas e conversações na horizontal. Sempre tem mais piada que os signos...
Sempre que uma rapariga me pergunta o signo, antes de responder «sou do signo leão», penso sempre: "Oh que caralho, ó Maria Ivone, vai-me à loja e traz-me o troco!" Não satisfeitas com a resposta, visto que ser do signo leão é como sofrer de escorbuto, perguntaram-me qual era então o meu ascendente, numa tentativa de tentar descobrir alguma coisa que se aproveite em mim ou para me salvar das garras medonhas do dito rei da selva.
Educadamente, e depois de vomitar 3 vezes seguidas para sacos de enjoo que já ando a comprar há mais de dez anos para o efeito, lá tentei articular uma resposta satisfatória: "Sei lá, ó caralho, não percebo nada dessa merda..." Essa. Merda. Uau, um palavrão feio que faz de mim um menino feio. Ai que grande tau-tau. A rapariga corou; eu também, ainda mais do que o costume. Ela de vergonha; eu de raiva e frustração devido ao alto grau de cromice e saloice da gaja. Resposta final dela: "Oh, vê-se mesmo que és Leão..." Eu (em vez de responder o que qualquer mortal com dois dedos de testa respondería, e que é: "Quero que essa merda se foda") disse, no estilo humorístico que me caracteriza:"Ai é, como é que sabes, já te mostrei a minha juba?" Ela fingiu que não percebeu. Eu fingi que não teve assim tanta graça. Mas tem mais graça que os signos. Os signos não são nada, nem aparecem no B.I. Os signos tem tanta importância como abrir uma loja de biquinis no pólo norte.
Só digo uma coisa às próximas raparigas com quem vou sair (espero eu) - Vou comprar uma caçadeira, registá-la e colocá-la bem à vista no tablier do meu carro, ao estilo caçador de javalis. Ao mínimo deslize nessa treta dos signos, sai bala pelo vosso «ascendente» acima.... No caso de possuírem um corpo , sei lá, não peço muito, do tipo da Soraia Chaves, quero dizer que estou disposto a negociar tréguas que poderão envolver remoção total de roupas e conversações na horizontal. Sempre tem mais piada que os signos...
19.10.06
As lorelei de João Cutileiro (livro esgotadíssimo, arre que não há nenhuma editora que re-edite isto)
Lorelei (I)
Lorelei vem de uma água escura! Há uma luz de navios caídos e está presa aos cabelos dela, noite e dia!
Noite e dia tem a pele molhada e o corpo em sobressalto. Não consegue parar a alma, sempre em mudança. Põe-se de pé no alto de uma pedra, a chorar. Esquece, grita, chama, adormece.
Lorelei levanta-se. Levanta-se outra vez.
Nos olhos tem o azul sujo de um mar cansado de céu. Queixa-se, espreguiça-se, lava-se em lágrimas e floresce.
Acorda.
Quando Lorelei acorda, o mundo tem ordens para não olhar. É uma sereia. Não se vê. Não se percebe. É magia? É uma magia que ainda não cresceu. É de pele? É de pedra? É de água. Não se percebe. Lorelei não se percebe.
É uma sereia. Uma sereia é um problema que não se resolve facilmente, que gosta de grutas. Não gosta de vir à tona de água. Tem medo das alturas. Não gosta da sensação do ar nos olhos. Não suporta a claridade. Sem a ajuda da água, todas as cores acabam por esbranquiçar.
Sempre que está em terra, a tratar das coisas que as sereias tratam, tentando aliciar o primeiro marinheiro do dia, apetece-lhe desistir e mergulhar, abrir os olhos e olhar.
Não gosta nada quando os marinheiros não vêm ou não correspondem ou só aparecem muito tarde. Não gosta nada de não se despachar. Mas gosta de estar deitada de costas no chão do rio, num dia de calor, a adivinhar quantos azuis tem o céu.
A água funda é mais fresca no verão e ela gosta de estar horas sem se mexer, a sentir o rio inteiro a passar por cima dela. Lá em cima, no barulho branco do outro mundo, quase se vêem os pássaros inteligentes a nadar na ventania.Não gosta de estar cá em cima.
Nada. A escuridão do rio é a única coisa capaz de a sossegar.
Lorelei (II)
Lorelei é a menina curva da minha mão, a linha recta do meu olhar. Deita o cabelo à pedra fria e escuta. As árvores cantam o que o rio lhes diz e o rio corre, porque o mar chama. E o mar é como a lua mandar. Quem manda na lua, ninguém sabe. Sabes?
É por ela que eu hei-de apaixonar-me. Esquece. Escuta. Há qualquer coisa no coração que te quer falar. Entorna o cabelo para um poço de sombra. Espalha-o como se estivesse a nadar. Vê-se na água escura de onde vem, vê-se feliz, de corpo inteiro, em todas as posições, com todas as idades, menina mais uma vez, sorrindo na água-mãe. Esperava o vento que vinha.
Tinha tudo o que queria. Diziam-lhe para descer; ela descia. Esperava uma verdade que não vinha — as tempestades, a perdição, os navios — com o queixo sobre os joelhos, respeitando o ar da pele, sozinha como o dia. Não sabe o que tem.
O céu corre-lhe por cima da cabeça, parece tinta. Não quer saber o que se passa. Dança, quer dançar, dança toda a noite. As estrelas param e a manhã começa. Dança como se fosse proibido, dança como se fosse de verdade, até descer aquela alma dentro de mim, tirando-me o sono, tirando-me a certeza, tirando-me a paz.
O amor não fala a quem o escuta. A sereia não se deita e eu não durmo. A sereia não se deita à água e o rio está inquieto, remexe-se toda a noite, perdendo o fio das horas, enquanto ela dança, dança ao som do amanhecer.
Miguel Esteves Cardoso
Fonte: Lorelei / esculturas de João Cutileiro ; fotografias de Gérard Castello Lopes ; textos Miguel Esteves Cardoso. Porto : Porto Editora, [1989]
Fotos e restantes testos (1 a 9), para quem quiser ler: Sons da escrita 010, 011, 012.
Nota: Um excelente livro, duma beleza e estética singulares, editado na altura em capa dura e que simplesmente não consigo encontrar à venda em lado nenhum. Fica o apelo às editoras portuguesas.
Lorelei vem de uma água escura! Há uma luz de navios caídos e está presa aos cabelos dela, noite e dia!
Noite e dia tem a pele molhada e o corpo em sobressalto. Não consegue parar a alma, sempre em mudança. Põe-se de pé no alto de uma pedra, a chorar. Esquece, grita, chama, adormece.
Lorelei levanta-se. Levanta-se outra vez.
Nos olhos tem o azul sujo de um mar cansado de céu. Queixa-se, espreguiça-se, lava-se em lágrimas e floresce.
Acorda.
Quando Lorelei acorda, o mundo tem ordens para não olhar. É uma sereia. Não se vê. Não se percebe. É magia? É uma magia que ainda não cresceu. É de pele? É de pedra? É de água. Não se percebe. Lorelei não se percebe.
É uma sereia. Uma sereia é um problema que não se resolve facilmente, que gosta de grutas. Não gosta de vir à tona de água. Tem medo das alturas. Não gosta da sensação do ar nos olhos. Não suporta a claridade. Sem a ajuda da água, todas as cores acabam por esbranquiçar.
Sempre que está em terra, a tratar das coisas que as sereias tratam, tentando aliciar o primeiro marinheiro do dia, apetece-lhe desistir e mergulhar, abrir os olhos e olhar.
Não gosta nada quando os marinheiros não vêm ou não correspondem ou só aparecem muito tarde. Não gosta nada de não se despachar. Mas gosta de estar deitada de costas no chão do rio, num dia de calor, a adivinhar quantos azuis tem o céu.
A água funda é mais fresca no verão e ela gosta de estar horas sem se mexer, a sentir o rio inteiro a passar por cima dela. Lá em cima, no barulho branco do outro mundo, quase se vêem os pássaros inteligentes a nadar na ventania.Não gosta de estar cá em cima.
Nada. A escuridão do rio é a única coisa capaz de a sossegar.
Lorelei (II)
Lorelei é a menina curva da minha mão, a linha recta do meu olhar. Deita o cabelo à pedra fria e escuta. As árvores cantam o que o rio lhes diz e o rio corre, porque o mar chama. E o mar é como a lua mandar. Quem manda na lua, ninguém sabe. Sabes?
É por ela que eu hei-de apaixonar-me. Esquece. Escuta. Há qualquer coisa no coração que te quer falar. Entorna o cabelo para um poço de sombra. Espalha-o como se estivesse a nadar. Vê-se na água escura de onde vem, vê-se feliz, de corpo inteiro, em todas as posições, com todas as idades, menina mais uma vez, sorrindo na água-mãe. Esperava o vento que vinha.
Tinha tudo o que queria. Diziam-lhe para descer; ela descia. Esperava uma verdade que não vinha — as tempestades, a perdição, os navios — com o queixo sobre os joelhos, respeitando o ar da pele, sozinha como o dia. Não sabe o que tem.
O céu corre-lhe por cima da cabeça, parece tinta. Não quer saber o que se passa. Dança, quer dançar, dança toda a noite. As estrelas param e a manhã começa. Dança como se fosse proibido, dança como se fosse de verdade, até descer aquela alma dentro de mim, tirando-me o sono, tirando-me a certeza, tirando-me a paz.
O amor não fala a quem o escuta. A sereia não se deita e eu não durmo. A sereia não se deita à água e o rio está inquieto, remexe-se toda a noite, perdendo o fio das horas, enquanto ela dança, dança ao som do amanhecer.
Miguel Esteves Cardoso
Fonte: Lorelei / esculturas de João Cutileiro ; fotografias de Gérard Castello Lopes ; textos Miguel Esteves Cardoso. Porto : Porto Editora, [1989]
Fotos e restantes testos (1 a 9), para quem quiser ler: Sons da escrita 010, 011, 012.
Nota: Um excelente livro, duma beleza e estética singulares, editado na altura em capa dura e que simplesmente não consigo encontrar à venda em lado nenhum. Fica o apelo às editoras portuguesas.
18.10.06
Ambiguidades (alguns aforismos, meditações sobre homens e mulheres e não necessariamente por essa ordem )
Fim de férias e início do trabalho. Fim duma coisa, onde nada acontece, e início de outra, onde nada do que acontece tem, de facto, importância.
Quando uma relação amorosa acaba, começa logo outra, mais intensa e apaixonante, entre a esperança e o tédio dos dias e o vazio das noites.
As mulheres apaixonam-se, geralmente, pelos homens que têm o condão mágico de magoá-las sempre no sítio certo. Os homens só se apaixonam por mulheres que têm o condão mágico de não os aborrecer. Depois de casados trocam de papéis.
É fácil saber quando uma mulher está triste: não consegue esconder. E também é fácil saber quando um homem está triste: não consegue disfarçar.
A mulher infeliz ri para não chorar. O mulher feliz ri depois de chorar.
Andamos todos atrás do mesmo, homens e mulheres, diz um colega meu de trabalho. Eu não podia concordar mais. Apenas um senão: coitado do homem que encontra aquilo que quer e coitada da mulher que tem aquilo que merece.
Um homem começa a namorar porque encontrou uma mulher de jeito. A mulher começa a namorar porque não encontra mais ninguém de jeito. O amor é um doce engano.
As mulheres podem dizer-nos o que quiserem que, no fundo, não interessa: uma mulher só gosta de nós se nós lhes dermos protecção e filhos.
Há 50% de divórcios em Portugal. Facto. A culpa é do homem? Facto. E das mulheres, não é? É.
A mulher tornou-se mais independente, mais culta, começou a rapar o buço e já não está para levar com o cinto na testa, como a mãe dela e a avó dela, por não fazer a janta a horas. De acordo. As mulheres já não estão para lavar a roupa do marido a cheirar a pito adúltero. Certo. E os homens também não estão para comprar pizzas todos os dias só porque elas são licenciadas em direito e não sabem fazer uma simples massa de bacalhau ou descascar uma cebola. Certo. Tudo certo. Todos temos culpas e o pêndulo de focault balança friamente sobre as nossas testas. Mas a razão principal para tanto divórcio é esta: O Tédio. Como diz um amigo meu: "pá, a gente casa-se é para foder a horas certas...»
Vamos todos meditar nisto.
Quando uma relação amorosa acaba, começa logo outra, mais intensa e apaixonante, entre a esperança e o tédio dos dias e o vazio das noites.
As mulheres apaixonam-se, geralmente, pelos homens que têm o condão mágico de magoá-las sempre no sítio certo. Os homens só se apaixonam por mulheres que têm o condão mágico de não os aborrecer. Depois de casados trocam de papéis.
É fácil saber quando uma mulher está triste: não consegue esconder. E também é fácil saber quando um homem está triste: não consegue disfarçar.
A mulher infeliz ri para não chorar. O mulher feliz ri depois de chorar.
Andamos todos atrás do mesmo, homens e mulheres, diz um colega meu de trabalho. Eu não podia concordar mais. Apenas um senão: coitado do homem que encontra aquilo que quer e coitada da mulher que tem aquilo que merece.
Um homem começa a namorar porque encontrou uma mulher de jeito. A mulher começa a namorar porque não encontra mais ninguém de jeito. O amor é um doce engano.
As mulheres podem dizer-nos o que quiserem que, no fundo, não interessa: uma mulher só gosta de nós se nós lhes dermos protecção e filhos.
Há 50% de divórcios em Portugal. Facto. A culpa é do homem? Facto. E das mulheres, não é? É.
A mulher tornou-se mais independente, mais culta, começou a rapar o buço e já não está para levar com o cinto na testa, como a mãe dela e a avó dela, por não fazer a janta a horas. De acordo. As mulheres já não estão para lavar a roupa do marido a cheirar a pito adúltero. Certo. E os homens também não estão para comprar pizzas todos os dias só porque elas são licenciadas em direito e não sabem fazer uma simples massa de bacalhau ou descascar uma cebola. Certo. Tudo certo. Todos temos culpas e o pêndulo de focault balança friamente sobre as nossas testas. Mas a razão principal para tanto divórcio é esta: O Tédio. Como diz um amigo meu: "pá, a gente casa-se é para foder a horas certas...»
Vamos todos meditar nisto.
16.10.06
Fêveras e Entrecosto na brasa é com o Nuno!!
3 vivas (bem bebidos) para a Trupe da Caipirinha!
No aniversário do Jorge, da esquerda para a direita, Luzia, Jorge, Nelson, Marta e Nuno, fazem um brinde de capirinha em punho: a deliciosa cachaça brasileira.
A Caipirinha. Copo de vidro, uma quantidade generosa de limas medidas, rigorosamente, em «bués de limas», bem esmagadinhas contra o delícioso açúcar amarelo, numa orgia pecaminosa de contraste de sabores. Tudo bem aconchegadinho no fundo do copo, esperando ansiosamente pela absolvição redentora da cachaça. No Brasil é conhecida por "Água que passarinho-não-bebe", "engasga-gato,"lágrima-de-virgem", "levanta-velho", "urina de santo".
Aqui em Portugal é apenas caipirinha, ou caipirosca, se misturarmos vodka. Adoro.
Amo.
Quero mais.
Caipira: um pouco de Brasil aqui em Portugal.
4.10.06
A ternura dos 30 (que não é muita...) - Parabéns ao D.J. Tony e ao Jorge M.C.
Quero desejar Parabéns ao Tony que fez 30 anos, no dia 3 deste mês e também ao Jorge que também vai fazer 30 anos na sexta-feira, dia 6. Eu, que sou apenas um chavaleco de 29 anitos, uma criança comparada a estes senhores casadoiros, enrugados e barrigudos, queria desejar a este par de "cotas-trintões", muitas felicidades, que a vida lhes traga, para além da botija de água quente, do xaile e do cházinho, tudo o que desejarem, além de desconto para a 3ª idade nas excursões a Compustela e 20% de redução de preço nas caixas de viagra (vocês sabem do que estou a falar, não disfarcem nem mintam às vossas mulheres dizendo que são as novas pintarolas azuis!), um mundo de coisas boas e práticas, sei lá, assim de repente, ora deixa cá ver, Polident para a placa dentária, fraldas anatómicas, etc.
Ah!, já mencionei que vocês estão a ficar cotas? Velhos? Trintões? Carcaças? Carcamanos? Figos? Chantras?
30 anos! Sim senhor! Já começaram a ver telenovelas? A comprar cds do José Cid? Vocês já devem estar naquela idade em que acham mesmo «piada» ao teatro de revista e não perdem um programa do Camilo de Oliveira, nem um cd da Simone de Oliveira! Confessem lá. Vocês ainda tentam disfarçar e dão uma miradela de soslaio aos canais porno da tv-cabo, mas o que vocês gostam mesmo, mesmo, mesmo de ver é aquele programa da Fátima Lopes na Sic, antes do almoço, é ou não é verdade? Vá lá, confessem, venha de lá essa catarse - sim, já tou a ver baba e ranho a escorrer para o teclado, confessem lá: Vocês gostam mesmo dos Diapasão!
Pronto, já passou, estão a ver, não custou nada. Agora vão lá soprar as velas e peçam um desejo. Uma sugestão? Peçam uma placa dentária mesmo forte ou uma pomadinha para as hemorróidas. Nunca se sabe..
Ah!, já mencionei que vocês estão a ficar cotas? Velhos? Trintões? Carcaças? Carcamanos? Figos? Chantras?
30 anos! Sim senhor! Já começaram a ver telenovelas? A comprar cds do José Cid? Vocês já devem estar naquela idade em que acham mesmo «piada» ao teatro de revista e não perdem um programa do Camilo de Oliveira, nem um cd da Simone de Oliveira! Confessem lá. Vocês ainda tentam disfarçar e dão uma miradela de soslaio aos canais porno da tv-cabo, mas o que vocês gostam mesmo, mesmo, mesmo de ver é aquele programa da Fátima Lopes na Sic, antes do almoço, é ou não é verdade? Vá lá, confessem, venha de lá essa catarse - sim, já tou a ver baba e ranho a escorrer para o teclado, confessem lá: Vocês gostam mesmo dos Diapasão!
Pronto, já passou, estão a ver, não custou nada. Agora vão lá soprar as velas e peçam um desejo. Uma sugestão? Peçam uma placa dentária mesmo forte ou uma pomadinha para as hemorróidas. Nunca se sabe..
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