Hoje amuei. Nem me apetece falar, só fazer beicinho. Fico mais bonito assim? Não sei. Nem dizer um Bu-ú-ú. Também foi a única coisa que aprendi a dizer...Não estou para isso, não contem comigo. Hoje quero ficar num raminho, quietinho e de vez em quando esticar uma patinha, mas só para me espreguiçar. É assim, todos temos uma função neste vida.
Agora passo os dias a ver o National Geographic e leio um ou outro livro de Dostoievsky. Um génio incompreendido, digo eu. Levo uma vida contemplativa, gosto de ler policias, sobretudo. Às vezes leio o Harry Potter e, sim, tenho um poster da Hedwig na minha árvore. Ninguém é perfeito. Dou uma volta por aqui e acolá, assusto uma criança ou outra, mas volto sempre para este raminho. Páro para pensar. Não quero pensar. Onde andas meu amor?
A minha ex-namorada abandonou-me há muitos e muitos anos, pior, esqueceu-me. A verdade é que lhe disse para desaparecer da minha vida, mas como sou cobarde gosto sempre de pensar que eu é que sou a vítima. Procuro sempre saber onde ela está, quero vê-la mas não quero vê-la com ninguém nem quero que ela me veja sozinho. Tenho terror que ela descubra que sempre estive sozinho depois dela. «Já tive tantas depois de ti, baby, então não?, era sempre a aviar...»
Quería esquecê-la, mas não consigo. Como é que se esquece alguém que nos faz falta? A única maneira de dormir com o coração partido é varrer os cacos para debaixo travesseiro. Como durmo de dia, quando apareces nos meus sonhos é como se fosses um raio de sol, um anjo de luz. Não, não é isto que eu quero pensar, quero pensar mal de ti, chamar-te nomes, esqueceste-me foda-se, mas não consigo. Só consigo ficar triste, amuar e fazer beicinho. Os tolos zangam-se, os sábios entristecem, respiram fundo e aceitam. Quero ser sábio. Mas não quero carinho, nem consolo, nem colinho, nem miminhos. Não preciso. Era o meu primeiro amor, queria que ela fosse a minha primeira coruja, a minha «cujinha», mas ela não quis. Dizia que eu era imaturo, muito reservado, falava pouco e que não gostava de sair e que não fazia festas de aniversário, que nunca lhe dava flôres e que os ratinhos que lhe dava eram muito magritos, eu sei lá. Para mim não deu mais. Ela também tinha defeitos e quando lhos disse não gostou. Não percebias linda? Eu amava os teus defeitos, só que é que os via, quando tu procuravas escondê-los de toda a gente. Só eu amava o teu lado menos bom, os teus humores azedos, o teu sarcasmo inteligente.
Desaparece, disse eu. Se é isso que tu queres, disseste, nunca mais vais saber nada de mim.
E nunca mais a vi. E nunca mais soube nada.
Ficou uma espécie de saudade, dentro de mim ainda brigamos muito e fazemos sempre as pazes depois.
Os meus sonhos são sempre felizes, é assim que vou enganando os dias. Não quero saber se ela pensa em mim. Pensar nela faz-me feliz, só quando tento esquecê-la é que amuo.
Hoje amuei.
Tou farto de estar amuado, um dia zango-me.
Foda-se.